O príncipe Adil e os
leões
Há
muito tempo e bem longe daqui, no reino de Azad, vivia um rei que tinha um
filho de quem gostava muito. O príncipe se parecia muito com seu pai, como ele tinha sido na juventude.
Um
dia, o rei falou para seu primeiro ministro:
– Venha, vamos levar meu filho à caverna do leão e contar-lhe o que se
espera dele, agora que está com dezoito anos de idade.
Juntos eles foram até o príncipe e o primeiro
ministro disse:
– Sua Alteza, tem sido sempre o costume nessa nobre família, quando o herdeiro ao trono atinge a idade em
que você agora se
encontra, que lhe seja dado um
certo teste. Isto é feito para se estabelecer, acima de
qualquer dúvida, se
ele serve para ser o futuro governante de nosso povo ou não. Venha conosco agora e nós lhe mostraremos onde você será testado.
O rapaz seguiu seu pai e o ministro até uma grande porta crivada de
pregos, na parede de uma caverna de pedra. Havia uma grade na porta, através da qual ele pôde ouvir o rugido de
um leão.
– Veja aqui, meu filho – disse o rei, cofiando sua barba. – Aí dentro está um enorme leão selvagem, com o qual será seu dever lutar, e subjugá-lo com adaga e espada. Escolha
quando deseja fazê-lo. Todo homem de nossa família, na linha direta do
trono, teve que passar por esse teste.
O príncipe olhou através da
grade e empalideceu, pois viu de fato um leão muito grande andando de um
lado para outro no interior da
caverna, que estava coberta de ossos. O animal tinha uma juba peluda e seus dentes brancos, extremamente afiados, ficavam à mostra a cada rosnado mal-humorado. De vez em
quando, dava um rugido
aterrorizante.
– Lutar? Subjugar? Matar esta fera? – balbuciou o
jovem. – Como posso fazê-lo? Eu nunca fiz mais do
que matar um veado ou
caçar com meu facão um
ou outro pássaro. Penso realmente que um leão deste tamanho e força está além de
minhas possibilidades.
– Não tenha medo – interpôs o primeiro ministro. – Não precisa fazê-lo agora.
Algum dia no futuro, quando se acostumar com a idéia, você o fará. Pela graça de
Deus, você conseguirá a confiança necessária, quando tiver pensado um pouco mais sobre isso.
Todos os seus antepassados um dia o fizeram.
O rei sorriu e fez sinal para um escravo jogar carne para o animal. Seus rugidos se
transformaram em rosnados satisfeitos, enquanto ele rasgava a comida em pedaços.
Nos
dias seguintes, embora o rei tratasse seu filho tão amavelmente quanto antes, o príncipe sentia que aquela tarefa pesava sobre ele e que seu pai estava ansioso para que matasse o leão o quanto antes. De tanto pensar no teste, ele não sentia mais prazer com as alegrias normais da vida. Todo o brilho tinha saído de sua existência, pois sentia que esperavam que ele entrasse na toca do
leão e imitasse os
feitos dos famosos heróis de sua família, apesar de não se sentir nem um pouco como um deles.
Uma
noite, depois de
se revirar insone em
sua cama, ele levantou e se vestiu. Então, enchendo seu alforje com um
número suficiente de
moedas de ouro, saiu na clara luz da lua para o estábulo real. Lá, encontrou um
cavalariço adormecido e mandou-o selar seu corcel favorito. Disse ao
criado que contasse ao rei, seu pai, que ele tinha saído numa viagem.
Sem
lançar um único olhar para trás, foi embora, procurando uma resposta para o seu problema. Pela manhã, tinha chegado a um rio agradável, com belas campinas de
cada lado. Ali desmontou, para deixar seu cavalo beber toda água que necessitasse. Naquele momento, ouviu o som de uma flauta sendo tocada e viu um jovem pastor conduzindo um rebanho de ovelhas. O príncipe perguntou-lhe se
existia nas vizinhanças algum lugar onde pudesse passar uns dias. O pastor disse que o levaria ao
seu mestre, um homem rico que vivia numa grande casa perto dali.
Assim que lhe foi apresentado, o proprietário da casa e das terras vizinhas convidou o príncipe para jantar.
– De onde você vem e como vão suas colheitas? – perguntou o homem. O príncipe respondeu de
forma evasiva dizendo:
– Tive problemas em casa que me levaram a partir, assim lhe pediria que me permitisse não dizer nada sobre isso por enquanto; estou procurando a
resposta para alguns problemas pessoais.
O senhor imediatamente respondeu que o príncipe poderia ficar como seu hóspede por tanto tempo quanto precisasse, e que deveria tratar aquela casa como seu próprio lar. O seu cavalo foi levado para os estábulos e o príncipe pensou que gostaria de ficar por muito tempo naquelas paragens tranqüilas.
A cada dia descobria um
novo lugar encantador, onde se
podia ouvir o som de flautas de
algum pastor das redondezas. De
fato existiam muitos pastores flautistas, pois aquela era a Terra dos Flautistas Celestiais.
Mas,
uma noite, para seu horror, ele ouviu, não muito longe da casa, o rugido de leões. No dia seguinte, durante o café da manhã, mencionou o assunto.
– Ah, sim – respondeu calmamente
o anfitrião. – Este lugar é infestado de leões selvagens; eles caçam a noite toda na maior parte do ano. Estou surpreso que você não os tenha ouvido antes. Esta é a razão do muro alto em volta do
meu jardim. Se não fosse assim, eles carregariam todos os
membros da minha família!
E deu uma boa risada, como se
aquilo fosse uma grande piada.
O coração do príncipe se
encheu de medo. Assim que estava com o cavalo pronto para viajar, ele se
despediu do hospitaleiro senhor e
afastou-se, mais uma vez, tão rápido quanto seu cavalo o permitia. Viajou sempre em frente e logo os verdes vales e bosques foram deixados para trás, e o terreno se tornou mais árido. A estrada
desapareceu numa planície difícil e arenosa, e não existia mais nem uma nesga de grama verde tão longe quanto a vista podia alcançar.
De
vez em quando um vento levantava a poeira de
algumas dunas baixas de areia, que formavam redemoinhos no ar e faziam o cenário parecer ainda mais desolado. O sol queimava forte e, mesmo sendo um
puro-sangue árabe, seu cavalo diminuía
consideravelmente a marcha e começava a vacilar, tropeçando freqüentemente.
O príncipe sabia que precisava encontrar água para ambos e rápido. Silenciosamente ele rezava para que depois da
próxima duna houvesse um acampamento de beduínos ou
um pequeno oásis. Como em resposta à sua prece, avistou uma carreira de
tendas negras. Na
medida em que se
aproximava, vários guerreiros montados vieram, acenando com seus rifles, e saudaram-no:
– Que a paz esteja contigo!
Levaram-no até o seu líder, que lhe desejou boas-vindas, dizendo-lhe que agora ele era seu honrado hóspede e deveria ficar com eles por tanto tempo quanto desejasse.
Após
uma maravilhosa refeição de carneiro cozido, arroz de especiarias, figos e tâmaras de
incrível doçura, o chefe dos beduínos perguntou ao jovem que boa sorte o tinha trazido naquela direção.
– Por favor, não me
pergunte mais – disse o príncipe. – Basta dizer que sou alguém que deixou seu lar com um problema, que espero resolver me ausentando do
país de meu pai por um
tempo, até que eu esteja mais seguro de
minha situação.
O homem inclinou a cabeça, coçou a barba e deu outra baforada em seu narguilé.
– O
tempo nos dá todas as
respostas – murmurou, – se pudermos ser pacientes.
No
dia seguinte, convidou o jovem rapaz para caçar antílopes, e no outro dia para caçar com falcões, o que agradou muito ao príncipe. Ao
respirar a brisa fresca do
deserto e comer as
lautas refeições providenciadas pelos seus anfitriões, ele
sentiu que poderia ficar ali, sob as estrelas e sob a luz dourada do sol, para sempre.
Mas
um dia, depois de ter aproveitado a
hospitalidade do beduíno por duas felizes semanas, o velho chefe lhe falou:
– Meu filho, as pessoas aqui, vivendo nestas tendas sob minha proteção, estão contentes com você, assim como eu, e admiram o espírito com o qual você se
juntou a nós em nossos esportes simples. Mas estes homens e eu mesmo somos todos guerreiros experientes, que freqüentemente temos de
fazer guerra a outras tribos. Nesta ocasião, uma grande coragem pessoal é necessária para a sobrevivência da nossa própria tribo.
– Assim, meus homens e eu gostaríamos de submetê-lo a um teste, de
forma a podermos ver alguma evidência de
sua bravura. A duas milhas ao
sul deste acampamento, existe
um grupo de montanhas infestadas de leões. Levante-se cedo amanhã e,
após a prece do amanhecer, pegue o melhor de nossos valentes corcéis; com espada e lança, mate uma dessas criaturas selvagens. Quando tiver feito isso e nos trouxer a pele, então você terá provado seu valor aos nossos olhos, meu querido jovem amigo.
A face do príncipe empalideceu sob seu bronzeado, enquanto o medo se apossava dele. Quando desejou boa noite ao
beduíno, ele já sabia que não poderia enfrentar
aquelas criaturas selvagens.
“Bons céus" pensou, enquanto escapava da refeição noturna, vendo todos aqueles alegres rostos brilhando à luz do fogo onde se cozinhava o alimento, "parece ser minha má sorte encontrar leões em
qualquer lugar que eu vá. Não posso compreender... afinal,
foi justamente para evitá-los que deixei meu lar!"
Quando todos adormeceram, ele se esgueirou para fora da tenda, achou seu cavalo e silenciosamente deixou o lugar onde tinha sido tão feliz por duas longas semanas. Seria seu destino viajar para sempre pelo mundo até encontrar um lugar onde não existissem leões?
Cavalgou sempre em frente dentro da noite estrelada. Então, quando os dedos rosados da
aurora começaram a se mostrar nos céus, ele viu uma encantadora região de montanhas e vales cobertos com flores selvagens, e seu cavalo saciou a sede em um lago tranqüilo.
Na
luz crescente do
dia, viu um palácio maravilhoso, mais bonito do que todos que conhecera. Era de pedra rósea com pilares de lápis-lazúli e balcões de madeira entalhada. Havia fontes nos jardins que circundavam o palácio, pássaros canoros nas árvores e muitos pavilhões nos jardins, cobertos por jasmim e rosas de doces fragrâncias.
– Realmente, este é um verdadeiro Paraíso na Terra! – disse o príncipe a si mesmo, enquanto se aproximava do
palácio.
Nos
enormes portões, guardas o receberam, conduziram-no ao
pátio interno e um menino levou seu cavalo para ser escovado e alimentado. O príncipe foi levado ao quarto de hóspedes, onde pôde se lavar e vestir roupas limpas, ali deixadas por servos atenciosos.
Finalmente, ele foi levado à presença do rei, um homem de
barbas cinzentas, muito simpático e próspero que, gentilmente, perguntou-lhe o que o tinha trazido naquela direção. A princesa, que estava tomando café
com seu pai, deixou o príncipe encantado
com sua beleza e graça, quando serviu-lhe uma doce bebida de uma jarra de cristal. Ela tinha maravilhosos olhos amendoados e era muito bem feita de corpo, com cabelos negros como a asa da graúna, penteado em pequenas e variadas tranças.
– Minha situação é tal que eu... não posso falar sobre ela – gaguejou o príncipe, fascinado, tentando não olhar para a adorável donzela por quem ele se apaixonara imediatamente. – Basta dizer que tive de
deixar meu próprio país por causa de um problema que preciso solucionar...
Então se calou, tomando a deliciosa bebida com olhos baixos. O rei aquiesceu sabiamente e cofiou sua barba.
– Compreendo – ele replicou, e começou a falar de outros assuntos. A princesa olhava o príncipe por baixo de seus longos cílios, pensando que ele era um
jovem de bela figura. Ela imaginava qual poderia ser seu problema e se poderia ajudá-lo.
Depois da refeição, o rei mostrou ao jovem o
palácio. Se o exterior era grande, quão grandioso era o interior! Degraus de mármore polido recobertos de
púrpura vermelha conduziam a vários aposentos mobiliados com madeiras de toda parte do mundo. As paredes e os tetos eram cobertos com mosaicos em turquesa e ouro, arabescos e espelhos.
Jarros de pedras preciosas e conchas cor de
rosa estavam espalhadas sobre mesas de jade entalhadas. As
janelas eram de vidro translúcido pintado em cores magníficas, algumas tão rosadas quanto o amanhecer, outras esverdeadas como as
profundezas do mar. Quando os raios do
sol brilhavam através delas, os pisos marchetados se acendiam com cores maravilhosas. No
andar de baixo, no salão
principal, havia tapetes tão macios quanto a seda: alguns tinham desenhos tecidos com fios dourados, outros
mostravam animais e pássaros tão finamente ornamentados que o príncipe se
surpreendeu que pudessem ter sido feitos por mãos humanas.
O rei levou o príncipe ao melhor quarto de hóspedes, onde lhe suplicou que trocasse suas roupas pelos novos trajes que se encontravam em cima da
cama e convidou-o a ficar por tanto tempo quanto lhe fosse possível.
Deixado sozinho, olhando para o esplendor ao seu redor e vestido com roupas ricamente bordadas, o príncipe pensou que este seria o lugar ideal onde ele poderia permanecer pelo resto de sua vida.
Muitos dias se passaram e a princesa o entretinha mostrando-lhe o jardim em diferentes horas do
dia. Certa noite, passeando por alamedas perfumadas por jasmim, ele a escutava cantar uma canção enquanto tocava o alaúde, instrumento que ela manuseava com grande habilidade. O palácio estava iluminado de
cima a baixo por milhares de velas. Escravos corriam de
lá para cá, preparando o banquete para a festa da noite.
De
repente, o príncipe ouviu um som que fez seus cabelos se eriçarem na nuca.
– Pare! – gritou para a princesa. – O que foi isto?
– Isto o quê? – perguntou rispidamente, parecendo chateada com a aparente falta de interesse do rapaz por sua música. Ela continuou tocando e então o príncipe ouviu
novamente o som.
– Pare imediatamente, por favor, querida princesa –
disse ele com urgência. – Foi ali, nos arbustos. Soava... como um leão!
Ela
riu despreocupada.
– Aquele é o Shams, nosso vigilante, como o chamamos! – ela disse,
sorrindo para o rapaz. – Ele é o animal de estimação de toda a corte e a esta hora da noite patrulha os
terrenos do palácio. Eu o conheço desde que era um
pequeno filhote; ele dorme bem em frente à porta do meu quarto!
O príncipe empalideceu e sugeriu que, como a noite estava esfriando, seria melhor retornar para dentro do palácio. Mais tarde, na festa, sentado à direita do
rei, o jovem mal podia comer pensando na hora em que cruzaria com o leão, que agora estava rugindo bastante alto no jardim. Ninguém mais parecia reparar no barulho e todos, menos ele, apreciavam a excelente refeição.
No
final da festa, seu anfitrião se levantou e o conduziu ao topo da escadaria de mármore que levava ao
quarto de hóspedes. Lá, bem no topo, estava o enorme leão de feroz aparência. O príncipe teria se virado e ido na direção contrária, não fosse o rei lhe dizer:
– Veja, você está sendo muito honrado, meu filho; o bom e velho Shams está esperando para levá-lo ao seu quarto! Ele não faz isso para qualquer pessoa, posso lhe garantir. Só fica aborrecido se pensa que o temem, mas é
extremamente manso.
– Eu o temo – sussurrou o príncipe, – de verdade...
Mas
o rei não pareceu tê-lo ouvido. Ele desejou boa noite ao seu hóspede e o leão caminhou pesadamente ao
lado do príncipe, enquanto se dirigia ao
seu próprio aposento. Chegando ao
quarto, o rapaz entrou rapidamente e fechou a porta.
O leão esperou do lado de fora, e pareceu ao príncipe que por toda a noite ele farejou a fechadura e tentou abrir a maçaneta com seus dentes e patas. Pela manhã, o jovem se
levantou, após uma noite muito agitada, e abriu a porta. O leão havia ido embora.
Ali,
naquele instante, o príncipe decidiu voltar para casa. Existiam tantos leões no mundo que seria melhor lutar com o leão na caverna, e acabar logo com aquilo, do que ficar fugindo toda a sua vida.
Tão
logo se lavou e vestiu-se, ele foi ao rei e lhe disse:
– Ó
Majestade, peço permissão para deixar seu palácio agora e enfrentar meu problema, caso contrário sei que nunca ficarei em paz comigo mesmo. Sou um covarde e quero mudar isto em
honra a meu pai. Sou o filho do rei de Azad e fugi do dever que todos os filhos de
nossa família têm que desempenhar. Estou envergonhado e sei que nunca poderei pedir a mão de uma dama como a sua filha, caso eu não enfrente meu destino e lute contra o leão que me espera na caverna.
– Bem falado, meu filho – disse o rei. – Eu sabia quem você era desde o primeiro
momento, já que se parece muito com seu pai quando jovem e sempre respeitei e admirei o rei de Azad. Vá, lute contra o leão e lhe darei minha filha, pois ela já me falou de você com afeição.
Ele
sorriu e pousou sua mão afetuosamente no ombro do rapaz.
O príncipe montou em seu cavalo e galopou até chegar ao acampamento das tendas negras, onde ele tinha passado momentos felizes há não muito tempo atrás. O chefe dos beduínos estava sentado fumando seu narguilé quando o
príncipe apareceu, e saudou o rapaz amavelmente.
– Bem vindo, jovem príncipe – ele disse, – conheci bem seu querido pai quando tínhamos sua idade... de
fato, você se parece mais com ele agora do que nunca; apesar de já ter notado a semelhança antes, que foi como descobri quem você era.
Então o jovem contou-lhe que estava voltando para casa para lutar contra o leão da caverna. O beduíno ficou encantado e pediu a ele que passasse a noite ali, de forma a estar pronto para partir na
manhã do dia seguinte.
Bem
descansado, o príncipe partiu ao amanhecer para seu próprio país. Subitamente se deu conta de que queria rever seu lar de
novo, com leão e tudo. Ele mal podia esperar para contar a seu pai que estava pronto para encarar a enorme criatura na caverna.
Em
pouco tempo, chegou ao belo país dos Flautistas Celestiais. Para seu prazer, viu o mesmo garoto como antes, tangendo suas ovelhas com as músicas da
flauta. Mais tarde, o proprietário dos rebanhos saiu de
seu pátio sombreado para saudar o príncipe.
Depois de tomar um
refresco, o jovem explicou que não podia ficar pois estava retornando ao palácio de seu pai.
–
Porque – explicou, – quando estive aqui antes, eu
não era mais do que um
covarde tentando fugir de seu destino. Agora estou pronto para enfrentar o leão. Qualquer
que seja o resultado, cada um
de meus antepassados teve de
lutar contra um desses; colocarei minha confiança em Deus, o Compassivo.
– Assim seja! – respondeu o
senhor. – Fico realmente feliz em
ouvir que você resolveu seu problema. Sabia que você (sendo o verdadeiro filho de seu pai, que foi outrora meu bom companheiro), no devido tempo, enfrentaria suas responsabilidades. Vá, e que Deus esteja com você!
Depois de se despedir, o príncipe tomou mais uma vez seu caminho e após o devido tempo chegou a seu próprio país.
– Levem-me imediatamente à caverna daquele feroz leão com o qual devo me confrontar, pois me sinto agora forte o suficiente para tentar a luta! – disse ele corajosamente ao
primeiro ministro, depois de
beijar as mãos de seu pai em saudação.
O velho rei abraçou o jovem príncipe com muita alegria e, junto com o primeiro
ministro, os três se dirigiram à toca do leão.
A espada e a adaga que o príncipe portava brilhavam ao sol. Então, depois do
escravo abrir a enorme porta da caverna, ele entrou bravamente na jaula sombria. O leão começou a rugir, armando um bote e batendo sua cauda como um chicote. Então, levantando-se, veio em
direção ao príncipe, suas enormes mandíbulas escancaradas.
O príncipe olhou a fera sem medo, armas na
mão, enquanto o rei, o primeiro ministro e o escravo observavam silenciosamente. O leão deu outro rugido, mais alto que antes, e investiu contra ele. Então, para o espanto do rapaz, o monstro começou a esfregar a cabeça contra seus joelhos e lambeu suas botas como um cachorrinho de estimação!
O primeiro ministro então falou:
– Ó,
príncipe auspicioso, agora você vê que este leão é tão manso quanto qualquer escravo devotado e não faria mal a ninguém. Você passou no teste ao
entrar na toca. A prova de
seu valor está completa; você é agora digno de
ser o futuro rei. Deus seja louvado!
O jovem mal podia acreditar no que havia acontecido; quando deixou a caverna, o leão o seguiu como um
amigo afetuoso, brincando ao seu lado, até ser levado de volta à sua jaula pelo escravo. O rei congratulou o filho
pela sua coragem, que a partir de agora nunca mais seria posta em
dúvida. O príncipe era, pela graça de
Deus, digno e adequado para ser o rei depois dele.
Houve muito júbilo no
palácio. No dia seguinte, todas as casas nas cidades vizinhas festejavam, pois de acordo com a tradição muitas moedas de ouro e prata eram atiradas pelo feliz rei à multidão, que se juntava no
grande pátio abaixo do balcão real.
O príncipe contou a seu pai que havia pedido a mão da bela princesa, se o rei desse sua benção ao casamento. O rei concordou e um mensageiro veloz foi despachado para o distante país onde ela vivia. Para o príncipe, pareceu durar uma eternidade antes que chegasse a cavalgada trazendo sua amada. Ela veio em
companhia de parentes e amigos, todos vestidos em seus melhores trajes de casamento. A imagem da princesa montando uma égua árabe toda branca, entrando no grande pátio de seu palácio, adornada com a mais fina seda e com ricas jóias, permaneceu na
memória do príncipe até o fim de seus dias.
As
festividades do casamento duraram sete dias e sete noites e não houve uma única lágrima derramada em todo aquele ditoso reino durante toda a festa.
Assim, eles viveram felizes para sempre. Quando o príncipe se tornou rei depois de seu pai, mandou inscrever no chão de
seu gabinete particular, em letras de ouro, as palavras: ‘Nunca fuja de
um leão’.
Há
muito tempo e bem longe daqui, no reino de Azad, vivia um rei que tinha um
filho de quem gostava muito. O príncipe se parecia muito com seu pai, como ele tinha sido na juventude.
Um
dia, o rei falou para seu primeiro ministro:
– Venha, vamos levar meu filho à caverna do leão e contar-lhe o que se
espera dele, agora que está com dezoito anos de idade.
Juntos eles foram até o príncipe e o primeiro
ministro disse:
– Sua Alteza, tem sido sempre o costume nessa nobre família, quando o herdeiro ao trono atinge a idade em
que você agora se
encontra, que lhe seja dado um
certo teste. Isto é feito para se estabelecer, acima de
qualquer dúvida, se
ele serve para ser o futuro governante de nosso povo ou não. Venha conosco agora e nós lhe mostraremos onde você será testado.
O rapaz seguiu seu pai e o ministro até uma grande porta crivada de
pregos, na parede de uma caverna de pedra. Havia uma grade na porta, através da qual ele pôde ouvir o rugido de
um leão.
– Veja aqui, meu filho – disse o rei, cofiando sua barba. – Aí dentro está um enorme leão selvagem, com o qual será seu dever lutar, e subjugá-lo com adaga e espada. Escolha
quando deseja fazê-lo. Todo homem de nossa família, na linha direta do
trono, teve que passar por esse teste.
O príncipe olhou através da
grade e empalideceu, pois viu de fato um leão muito grande andando de um
lado para outro no interior da
caverna, que estava coberta de ossos. O animal tinha uma juba peluda e seus dentes brancos, extremamente afiados, ficavam à mostra a cada rosnado mal-humorado. De vez em
quando, dava um rugido
aterrorizante.
– Lutar? Subjugar? Matar esta fera? – balbuciou o
jovem. – Como posso fazê-lo? Eu nunca fiz mais do
que matar um veado ou
caçar com meu facão um
ou outro pássaro. Penso realmente que um leão deste tamanho e força está além de
minhas possibilidades.
– Não tenha medo – interpôs o primeiro ministro. – Não precisa fazê-lo agora.
Algum dia no futuro, quando se acostumar com a idéia, você o fará. Pela graça de
Deus, você conseguirá a confiança necessária, quando tiver pensado um pouco mais sobre isso.
Todos os seus antepassados um dia o fizeram.
O rei sorriu e fez sinal para um escravo jogar carne para o animal. Seus rugidos se
transformaram em rosnados satisfeitos, enquanto ele rasgava a comida em pedaços.
Nos
dias seguintes, embora o rei tratasse seu filho tão amavelmente quanto antes, o príncipe sentia que aquela tarefa pesava sobre ele e que seu pai estava ansioso para que matasse o leão o quanto antes. De tanto pensar no teste, ele não sentia mais prazer com as alegrias normais da vida. Todo o brilho tinha saído de sua existência, pois sentia que esperavam que ele entrasse na toca do
leão e imitasse os
feitos dos famosos heróis de sua família, apesar de não se sentir nem um pouco como um deles.
Uma
noite, depois de
se revirar insone em
sua cama, ele levantou e se vestiu. Então, enchendo seu alforje com um
número suficiente de
moedas de ouro, saiu na clara luz da lua para o estábulo real. Lá, encontrou um
cavalariço adormecido e mandou-o selar seu corcel favorito. Disse ao
criado que contasse ao rei, seu pai, que ele tinha saído numa viagem.
Sem
lançar um único olhar para trás, foi embora, procurando uma resposta para o seu problema. Pela manhã, tinha chegado a um rio agradável, com belas campinas de
cada lado. Ali desmontou, para deixar seu cavalo beber toda água que necessitasse. Naquele momento, ouviu o som de uma flauta sendo tocada e viu um jovem pastor conduzindo um rebanho de ovelhas. O príncipe perguntou-lhe se
existia nas vizinhanças algum lugar onde pudesse passar uns dias. O pastor disse que o levaria ao
seu mestre, um homem rico que vivia numa grande casa perto dali.
Assim que lhe foi apresentado, o proprietário da casa e das terras vizinhas convidou o príncipe para jantar.
– De onde você vem e como vão suas colheitas? – perguntou o homem. O príncipe respondeu de
forma evasiva dizendo:
– Tive problemas em casa que me levaram a partir, assim lhe pediria que me permitisse não dizer nada sobre isso por enquanto; estou procurando a
resposta para alguns problemas pessoais.
O senhor imediatamente respondeu que o príncipe poderia ficar como seu hóspede por tanto tempo quanto precisasse, e que deveria tratar aquela casa como seu próprio lar. O seu cavalo foi levado para os estábulos e o príncipe pensou que gostaria de ficar por muito tempo naquelas paragens tranqüilas.
A cada dia descobria um
novo lugar encantador, onde se
podia ouvir o som de flautas de
algum pastor das redondezas. De
fato existiam muitos pastores flautistas, pois aquela era a Terra dos Flautistas Celestiais.
Mas,
uma noite, para seu horror, ele ouviu, não muito longe da casa, o rugido de leões. No dia seguinte, durante o café da manhã, mencionou o assunto.
– Ah, sim – respondeu calmamente
o anfitrião. – Este lugar é infestado de leões selvagens; eles caçam a noite toda na maior parte do ano. Estou surpreso que você não os tenha ouvido antes. Esta é a razão do muro alto em volta do
meu jardim. Se não fosse assim, eles carregariam todos os
membros da minha família!
E deu uma boa risada, como se
aquilo fosse uma grande piada.
O coração do príncipe se
encheu de medo. Assim que estava com o cavalo pronto para viajar, ele se
despediu do hospitaleiro senhor e
afastou-se, mais uma vez, tão rápido quanto seu cavalo o permitia. Viajou sempre em frente e logo os verdes vales e bosques foram deixados para trás, e o terreno se tornou mais árido. A estrada
desapareceu numa planície difícil e arenosa, e não existia mais nem uma nesga de grama verde tão longe quanto a vista podia alcançar.
De
vez em quando um vento levantava a poeira de
algumas dunas baixas de areia, que formavam redemoinhos no ar e faziam o cenário parecer ainda mais desolado. O sol queimava forte e, mesmo sendo um
puro-sangue árabe, seu cavalo diminuía
consideravelmente a marcha e começava a vacilar, tropeçando freqüentemente.
O príncipe sabia que precisava encontrar água para ambos e rápido. Silenciosamente ele rezava para que depois da
próxima duna houvesse um acampamento de beduínos ou
um pequeno oásis. Como em resposta à sua prece, avistou uma carreira de
tendas negras. Na
medida em que se
aproximava, vários guerreiros montados vieram, acenando com seus rifles, e saudaram-no:
– Que a paz esteja contigo!
Levaram-no até o seu líder, que lhe desejou boas-vindas, dizendo-lhe que agora ele era seu honrado hóspede e deveria ficar com eles por tanto tempo quanto desejasse.
Após
uma maravilhosa refeição de carneiro cozido, arroz de especiarias, figos e tâmaras de
incrível doçura, o chefe dos beduínos perguntou ao jovem que boa sorte o tinha trazido naquela direção.
– Por favor, não me
pergunte mais – disse o príncipe. – Basta dizer que sou alguém que deixou seu lar com um problema, que espero resolver me ausentando do
país de meu pai por um
tempo, até que eu esteja mais seguro de
minha situação.
O homem inclinou a cabeça, coçou a barba e deu outra baforada em seu narguilé.
– O
tempo nos dá todas as
respostas – murmurou, – se pudermos ser pacientes.
No
dia seguinte, convidou o jovem rapaz para caçar antílopes, e no outro dia para caçar com falcões, o que agradou muito ao príncipe. Ao
respirar a brisa fresca do
deserto e comer as
lautas refeições providenciadas pelos seus anfitriões, ele
sentiu que poderia ficar ali, sob as estrelas e sob a luz dourada do sol, para sempre.
Mas
um dia, depois de ter aproveitado a
hospitalidade do beduíno por duas felizes semanas, o velho chefe lhe falou:
– Meu filho, as pessoas aqui, vivendo nestas tendas sob minha proteção, estão contentes com você, assim como eu, e admiram o espírito com o qual você se
juntou a nós em nossos esportes simples. Mas estes homens e eu mesmo somos todos guerreiros experientes, que freqüentemente temos de
fazer guerra a outras tribos. Nesta ocasião, uma grande coragem pessoal é necessária para a sobrevivência da nossa própria tribo.
– Assim, meus homens e eu gostaríamos de submetê-lo a um teste, de
forma a podermos ver alguma evidência de
sua bravura. A duas milhas ao
sul deste acampamento, existe
um grupo de montanhas infestadas de leões. Levante-se cedo amanhã e,
após a prece do amanhecer, pegue o melhor de nossos valentes corcéis; com espada e lança, mate uma dessas criaturas selvagens. Quando tiver feito isso e nos trouxer a pele, então você terá provado seu valor aos nossos olhos, meu querido jovem amigo.
A face do príncipe empalideceu sob seu bronzeado, enquanto o medo se apossava dele. Quando desejou boa noite ao
beduíno, ele já sabia que não poderia enfrentar
aquelas criaturas selvagens.
“Bons céus" pensou, enquanto escapava da refeição noturna, vendo todos aqueles alegres rostos brilhando à luz do fogo onde se cozinhava o alimento, "parece ser minha má sorte encontrar leões em
qualquer lugar que eu vá. Não posso compreender... afinal,
foi justamente para evitá-los que deixei meu lar!"
Quando todos adormeceram, ele se esgueirou para fora da tenda, achou seu cavalo e silenciosamente deixou o lugar onde tinha sido tão feliz por duas longas semanas. Seria seu destino viajar para sempre pelo mundo até encontrar um lugar onde não existissem leões?
Cavalgou sempre em frente dentro da noite estrelada. Então, quando os dedos rosados da
aurora começaram a se mostrar nos céus, ele viu uma encantadora região de montanhas e vales cobertos com flores selvagens, e seu cavalo saciou a sede em um lago tranqüilo.
Na
luz crescente do
dia, viu um palácio maravilhoso, mais bonito do que todos que conhecera. Era de pedra rósea com pilares de lápis-lazúli e balcões de madeira entalhada. Havia fontes nos jardins que circundavam o palácio, pássaros canoros nas árvores e muitos pavilhões nos jardins, cobertos por jasmim e rosas de doces fragrâncias.
– Realmente, este é um verdadeiro Paraíso na Terra! – disse o príncipe a si mesmo, enquanto se aproximava do
palácio.
Nos
enormes portões, guardas o receberam, conduziram-no ao
pátio interno e um menino levou seu cavalo para ser escovado e alimentado. O príncipe foi levado ao quarto de hóspedes, onde pôde se lavar e vestir roupas limpas, ali deixadas por servos atenciosos.
Finalmente, ele foi levado à presença do rei, um homem de
barbas cinzentas, muito simpático e próspero que, gentilmente, perguntou-lhe o que o tinha trazido naquela direção. A princesa, que estava tomando café
com seu pai, deixou o príncipe encantado
com sua beleza e graça, quando serviu-lhe uma doce bebida de uma jarra de cristal. Ela tinha maravilhosos olhos amendoados e era muito bem feita de corpo, com cabelos negros como a asa da graúna, penteado em pequenas e variadas tranças.
– Minha situação é tal que eu... não posso falar sobre ela – gaguejou o príncipe, fascinado, tentando não olhar para a adorável donzela por quem ele se apaixonara imediatamente. – Basta dizer que tive de
deixar meu próprio país por causa de um problema que preciso solucionar...
Então se calou, tomando a deliciosa bebida com olhos baixos. O rei aquiesceu sabiamente e cofiou sua barba.
– Compreendo – ele replicou, e começou a falar de outros assuntos. A princesa olhava o príncipe por baixo de seus longos cílios, pensando que ele era um
jovem de bela figura. Ela imaginava qual poderia ser seu problema e se poderia ajudá-lo.
Depois da refeição, o rei mostrou ao jovem o
palácio. Se o exterior era grande, quão grandioso era o interior! Degraus de mármore polido recobertos de
púrpura vermelha conduziam a vários aposentos mobiliados com madeiras de toda parte do mundo. As paredes e os tetos eram cobertos com mosaicos em turquesa e ouro, arabescos e espelhos.
Jarros de pedras preciosas e conchas cor de
rosa estavam espalhadas sobre mesas de jade entalhadas. As
janelas eram de vidro translúcido pintado em cores magníficas, algumas tão rosadas quanto o amanhecer, outras esverdeadas como as
profundezas do mar. Quando os raios do
sol brilhavam através delas, os pisos marchetados se acendiam com cores maravilhosas. No
andar de baixo, no salão
principal, havia tapetes tão macios quanto a seda: alguns tinham desenhos tecidos com fios dourados, outros
mostravam animais e pássaros tão finamente ornamentados que o príncipe se
surpreendeu que pudessem ter sido feitos por mãos humanas.
O rei levou o príncipe ao melhor quarto de hóspedes, onde lhe suplicou que trocasse suas roupas pelos novos trajes que se encontravam em cima da
cama e convidou-o a ficar por tanto tempo quanto lhe fosse possível.
Deixado sozinho, olhando para o esplendor ao seu redor e vestido com roupas ricamente bordadas, o príncipe pensou que este seria o lugar ideal onde ele poderia permanecer pelo resto de sua vida.
Muitos dias se passaram e a princesa o entretinha mostrando-lhe o jardim em diferentes horas do
dia. Certa noite, passeando por alamedas perfumadas por jasmim, ele a escutava cantar uma canção enquanto tocava o alaúde, instrumento que ela manuseava com grande habilidade. O palácio estava iluminado de
cima a baixo por milhares de velas. Escravos corriam de
lá para cá, preparando o banquete para a festa da noite.
De
repente, o príncipe ouviu um som que fez seus cabelos se eriçarem na nuca.
– Pare! – gritou para a princesa. – O que foi isto?
– Isto o quê? – perguntou rispidamente, parecendo chateada com a aparente falta de interesse do rapaz por sua música. Ela continuou tocando e então o príncipe ouviu
novamente o som.
– Pare imediatamente, por favor, querida princesa –
disse ele com urgência. – Foi ali, nos arbustos. Soava... como um leão!
Ela
riu despreocupada.
– Aquele é o Shams, nosso vigilante, como o chamamos! – ela disse,
sorrindo para o rapaz. – Ele é o animal de estimação de toda a corte e a esta hora da noite patrulha os
terrenos do palácio. Eu o conheço desde que era um
pequeno filhote; ele dorme bem em frente à porta do meu quarto!
O príncipe empalideceu e sugeriu que, como a noite estava esfriando, seria melhor retornar para dentro do palácio. Mais tarde, na festa, sentado à direita do
rei, o jovem mal podia comer pensando na hora em que cruzaria com o leão, que agora estava rugindo bastante alto no jardim. Ninguém mais parecia reparar no barulho e todos, menos ele, apreciavam a excelente refeição.
No
final da festa, seu anfitrião se levantou e o conduziu ao topo da escadaria de mármore que levava ao
quarto de hóspedes. Lá, bem no topo, estava o enorme leão de feroz aparência. O príncipe teria se virado e ido na direção contrária, não fosse o rei lhe dizer:
– Veja, você está sendo muito honrado, meu filho; o bom e velho Shams está esperando para levá-lo ao seu quarto! Ele não faz isso para qualquer pessoa, posso lhe garantir. Só fica aborrecido se pensa que o temem, mas é
extremamente manso.
– Eu o temo – sussurrou o príncipe, – de verdade...
Mas
o rei não pareceu tê-lo ouvido. Ele desejou boa noite ao seu hóspede e o leão caminhou pesadamente ao
lado do príncipe, enquanto se dirigia ao
seu próprio aposento. Chegando ao
quarto, o rapaz entrou rapidamente e fechou a porta.
O leão esperou do lado de fora, e pareceu ao príncipe que por toda a noite ele farejou a fechadura e tentou abrir a maçaneta com seus dentes e patas. Pela manhã, o jovem se
levantou, após uma noite muito agitada, e abriu a porta. O leão havia ido embora.
Ali,
naquele instante, o príncipe decidiu voltar para casa. Existiam tantos leões no mundo que seria melhor lutar com o leão na caverna, e acabar logo com aquilo, do que ficar fugindo toda a sua vida.
Tão
logo se lavou e vestiu-se, ele foi ao rei e lhe disse:
– Ó
Majestade, peço permissão para deixar seu palácio agora e enfrentar meu problema, caso contrário sei que nunca ficarei em paz comigo mesmo. Sou um covarde e quero mudar isto em
honra a meu pai. Sou o filho do rei de Azad e fugi do dever que todos os filhos de
nossa família têm que desempenhar. Estou envergonhado e sei que nunca poderei pedir a mão de uma dama como a sua filha, caso eu não enfrente meu destino e lute contra o leão que me espera na caverna.
– Bem falado, meu filho – disse o rei. – Eu sabia quem você era desde o primeiro
momento, já que se parece muito com seu pai quando jovem e sempre respeitei e admirei o rei de Azad. Vá, lute contra o leão e lhe darei minha filha, pois ela já me falou de você com afeição.
Ele
sorriu e pousou sua mão afetuosamente no ombro do rapaz.
O príncipe montou em seu cavalo e galopou até chegar ao acampamento das tendas negras, onde ele tinha passado momentos felizes há não muito tempo atrás. O chefe dos beduínos estava sentado fumando seu narguilé quando o
príncipe apareceu, e saudou o rapaz amavelmente.
– Bem vindo, jovem príncipe – ele disse, – conheci bem seu querido pai quando tínhamos sua idade... de
fato, você se parece mais com ele agora do que nunca; apesar de já ter notado a semelhança antes, que foi como descobri quem você era.
Então o jovem contou-lhe que estava voltando para casa para lutar contra o leão da caverna. O beduíno ficou encantado e pediu a ele que passasse a noite ali, de forma a estar pronto para partir na
manhã do dia seguinte.
Bem
descansado, o príncipe partiu ao amanhecer para seu próprio país. Subitamente se deu conta de que queria rever seu lar de
novo, com leão e tudo. Ele mal podia esperar para contar a seu pai que estava pronto para encarar a enorme criatura na caverna.
Em
pouco tempo, chegou ao belo país dos Flautistas Celestiais. Para seu prazer, viu o mesmo garoto como antes, tangendo suas ovelhas com as músicas da
flauta. Mais tarde, o proprietário dos rebanhos saiu de
seu pátio sombreado para saudar o príncipe.
Depois de tomar um
refresco, o jovem explicou que não podia ficar pois estava retornando ao palácio de seu pai.
–
Porque – explicou, – quando estive aqui antes, eu
não era mais do que um
covarde tentando fugir de seu destino. Agora estou pronto para enfrentar o leão. Qualquer
que seja o resultado, cada um
de meus antepassados teve de
lutar contra um desses; colocarei minha confiança em Deus, o Compassivo.
– Assim seja! – respondeu o
senhor. – Fico realmente feliz em
ouvir que você resolveu seu problema. Sabia que você (sendo o verdadeiro filho de seu pai, que foi outrora meu bom companheiro), no devido tempo, enfrentaria suas responsabilidades. Vá, e que Deus esteja com você!
Depois de se despedir, o príncipe tomou mais uma vez seu caminho e após o devido tempo chegou a seu próprio país.
– Levem-me imediatamente à caverna daquele feroz leão com o qual devo me confrontar, pois me sinto agora forte o suficiente para tentar a luta! – disse ele corajosamente ao
primeiro ministro, depois de
beijar as mãos de seu pai em saudação.
O velho rei abraçou o jovem príncipe com muita alegria e, junto com o primeiro
ministro, os três se dirigiram à toca do leão.
A espada e a adaga que o príncipe portava brilhavam ao sol. Então, depois do
escravo abrir a enorme porta da caverna, ele entrou bravamente na jaula sombria. O leão começou a rugir, armando um bote e batendo sua cauda como um chicote. Então, levantando-se, veio em
direção ao príncipe, suas enormes mandíbulas escancaradas.
O príncipe olhou a fera sem medo, armas na
mão, enquanto o rei, o primeiro ministro e o escravo observavam silenciosamente. O leão deu outro rugido, mais alto que antes, e investiu contra ele. Então, para o espanto do rapaz, o monstro começou a esfregar a cabeça contra seus joelhos e lambeu suas botas como um cachorrinho de estimação!
O primeiro ministro então falou:
– Ó,
príncipe auspicioso, agora você vê que este leão é tão manso quanto qualquer escravo devotado e não faria mal a ninguém. Você passou no teste ao
entrar na toca. A prova de
seu valor está completa; você é agora digno de
ser o futuro rei. Deus seja louvado!
O jovem mal podia acreditar no que havia acontecido; quando deixou a caverna, o leão o seguiu como um
amigo afetuoso, brincando ao seu lado, até ser levado de volta à sua jaula pelo escravo. O rei congratulou o filho
pela sua coragem, que a partir de agora nunca mais seria posta em
dúvida. O príncipe era, pela graça de
Deus, digno e adequado para ser o rei depois dele.
Houve muito júbilo no
palácio. No dia seguinte, todas as casas nas cidades vizinhas festejavam, pois de acordo com a tradição muitas moedas de ouro e prata eram atiradas pelo feliz rei à multidão, que se juntava no
grande pátio abaixo do balcão real.
O príncipe contou a seu pai que havia pedido a mão da bela princesa, se o rei desse sua benção ao casamento. O rei concordou e um mensageiro veloz foi despachado para o distante país onde ela vivia. Para o príncipe, pareceu durar uma eternidade antes que chegasse a cavalgada trazendo sua amada. Ela veio em
companhia de parentes e amigos, todos vestidos em seus melhores trajes de casamento. A imagem da princesa montando uma égua árabe toda branca, entrando no grande pátio de seu palácio, adornada com a mais fina seda e com ricas jóias, permaneceu na
memória do príncipe até o fim de seus dias.
As
festividades do casamento duraram sete dias e sete noites e não houve uma única lágrima derramada em todo aquele ditoso reino durante toda a festa.
Assim, eles viveram felizes para sempre. Quando o príncipe se tornou rei depois de seu pai, mandou inscrever no chão de
seu gabinete particular, em letras de ouro, as palavras: ‘Nunca fuja de
um leão’.
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